28 de jul. de 2006

Quos amo

Quos amo, arguo et castigo. (A quem amo, advirto e corrijo)

“Concordar e amimar nada custa. Contradizer e aconselhar, isto sim. Amantes nunca dissentem um do outro. Mas esposos, que não se saibam contrariar e advertir, é que não se sabem amar. É o que vai do amor lícito ao ilícito, do amor puro ao impuro, do mundano amor ao amor santo. Um, todo carne, todo culpa, nasce do apetite, nele se ceva, e com ele acaba. Por isso é só blandícias, lisonja só e só mentira todo ele. O outro deriva do coração, e no espírito se acendra, pelo que vive de sinceridade, zelo e devoção, e todo ele é fé e confiança, todo estima e desvelo, todo escrúpulo e verdade. Esta a condição do amor casto, do amor fiel, do amor consagrado: o amor dos pais, o amor dos bem-casados, o amor da pátria, o amor de Deus.” (Rui Barbosa, em A imprensa e o dever da verdade)

Rui pensa a crítica por profissão da imprensa ao Estado e aos governos como alto ato de amor, igual à crítica que dedicamos a quem amamos. Rui tem razão. A crítica é um ato de amor, altíssimo, dos mais nobres, só permitido e só dado a quem mais amamos. Não aprendi com Rui isso. Aprendi com Faraco, meu orientador do mestrado. Ser amantíssimo, sempre foi crítico comigo, sem rodeios, sem palavras agressivas, mas sem complacência. Aprendera com Bakhtin e sua demolidora e amorosa crítica a Saussure, em Marxismo e Filosofia da Linguagem.
Complacência é dos piores gestos de desamor e se opõe à rigidez com que olhamos quem amamos. Tentei aprender e levar isso para a vida, não zangando nem com a crítica mais mesquinha, mais ferina e mais desamorosa. Em momentos da vida, fui alvo delas. Muitas vezes, para compensar, fui beneficiado pela crítica aguda e amorosa. Todas as críticas servem ou, no mínimo, devem ser ouvidas. Também busquei ser rígido com os que amo. Como professor, amo meus alunos exigindo deles tanto quanto meu coração mole permite. Com as crianças, sou afável, brincalhão, infantil e inflexível. É meu aprendizado para ser pai. Com meus irmãos, nenhum centímetro de retrocesso na crítica.
Crítico quem amo; critico por que amo. Ouço os que amo. Ouço quem me observa, mesmo que não seja alguém tão próximo. Ouço críticas de todos os lados. Mantenho os ouvidos abertos, por que são formas de “amor casto”.
Nos relacionamentos amorosos, é fácil o amor se tornar desamor e a crítica virar ofensa. Por isso, muitas vezes a paz eterna entre casais é vista como exemplo de relacionamento estável, pacífico, bem-sucedido. Pode esconder, porém, desprezo. Se não importa, não criticamos. Não dizemos nada. Há várias formas de um relacionamento fracassar: uma pelo excesso de crítica, de agressividade; outra pela falta.
Quando falta crítica, muitas vezes o elogio é a arma mais demolidora, mais insidiosa. É uma das armas de Iago para destruir Desdêmona e Otelo.

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