19 de set. de 2009

Sejamos anjos

Sejamos anjos, então. Minha carne está impregnada de desejo, cobiço os intervalos em que sussuramos debates, no meio da noite, sobre vida e morte, mas sejamos anjos, se queres. Por que me basta, porque posso sublimar a sujeira do sexo, se me queres puro. Se me queres eu, posso parar de mentir e confessar: a lascívia é divina.
Sejamos só isso: absolutamente nada. Ao mesmo tempo, tudo, porque posso passar a noite ao teu lado sem desrespeitar-te. Mesmo que julgue que respeito por uma mulher como tu seja desejar-te o mais ardentemente possível. Mas respeitar-te-ei.
Por que amo conversar contigo e não fazer planos, porque posso não ter futuro contigo e mesmo assim adorar estar do teu lado. Sei que acreditas em destino ou karma, que Deus zela e que o demônio induz.
Deus me proteja, mas não fale aos meus ouvidos. Vou resistir e serei anjo, por mim mesmo.
Mas apenas se você for.
Se não for, me chame de Pan.

13 de set. de 2009

Me roubas

Me roubas, assim, no meio da noite. Tenho tanta coisa prá fazer, e me roubas assim, como se eu tivesse todo o tempo para me dedicar a ti. Quem me dera pudesse me deixar levar, como se fosses a correnteza. Mas tento me desvencilhar da tua imagem, da força das tuas águas, dos teus olhos que me fitam numa foto que já não consigo deixar de olhar. Já não posso mais roubar-me de ti.
Mas és nuvem, e depus a minha vida em ti. Quando cair, tanto pior, nem poderei chorar, porque sempre soube que és nuvem.

10 de set. de 2009

Tu reinas

O relógio calou.
Depois, vieram, sem movimento,
Horas de trauma.
O mundo, sem vento,
Estancou.

Cá, dentro de mim,
Dentro do universo onde reinas,
Benevolente e calma,
Sonho que reinas.
Enfim.

Julho/2008

5 de set. de 2009

Teu diário

Se um dia eu pudesse entrar pela janela aberta do teu quarto, na penumbra, como o vento, ouvir tua respiração e sentir teu cheiro enquanto dormes, parar algum tempo para proteger teu sono e, por fim, roubar teu diário, então poderia sonhar de novo.
E conhecer os teus segredos, desvendar teus planos, navegar teus sonhos. Saber tudo sobre você, o que te assusta e o que te acalma, o que você ama e o que odeia. Descobrir teus fetiches, os carinhos que você gosta e o que te faz sentir segura.
Então poderia ser tudo o que você quer, te dar segurança, libertar tua fêmea, teus desejos ocultos, tua volúpia e feminilidade de mulher, te dar conforto e calor, te arrastar pelas estradas (para os lugares sonha conhecer), fazer da tua vida uma eterna viagem.
Só assim, depois de tanto, poderia ter o que mais me faz falta: tua respiração, teu cheiro, teu sono. Poderia roubar, na penumbra, como o vento, o teu coração.


São CAetano do Sul, 10 de fevereiro de 1996
14:00 horas

30 de ago. de 2009

Navalha

Trabalha, navalha.
minha cara, retalha.
No corte um sorriso entalha,
pois é o que me calha.

Depois, não falha!,
enche meu peito de palha,
meu coração estraçalha.
E o resto... empalha.

Me faz muralha,
como ela, canalha.
Então espalha:
Sou passado, mortalha.

Trabalha, navalha.
Trabalha.

Obs.: Parafraseando Walter Franco, em "Canalha":

É uma dor canalha
Que te dilacera
É um grito que se espalha
Também pudera
Não tarda nem falha
Apenas te espera
Num campo de batalha
É um grito que se espalha
É uma dor
Canalha.

27 de ago. de 2009

Os dias simples

De manhã, ela acorda sorrindo, entre sono e sonho, mas não quer sair da cama.
De tarde, ela descansa do almoço, vê um filme, lê um livro, ouve música, arruma os restos da noite, junto comigo. Quando o sol diminui, passeamos no parque e deitamos na grama. Cochilo; ela divaga.
De noite, misturamos vinho e narguile com cinema. Eu ouço o que ela diz sobre os atores. Concordo ou discordo, mas é tudo irrelevante diante do que importa de verdade: ouvir sua voz.
Depois, ela quer dançar.
- Danço contigo, minha nuvem.
Danço até que os corpos, cansados, queiram ir para casa. Tua silhueta quer descansar ou dançar de novo, de madrugada e de manhã, até a exaustão. Totalmente expostos, não respeitamos nenhum ritmo, exceto o nosso próprio desejo.
Os dias são simples quando tu estás comigo.

23 de ago. de 2009

Sete Vidas e Gran Torino

Fazia tempo que eu não escrevia sobre filmes. Bem, não tinha motivos. Nunca escrevo sobre grandes filmes, mas sobre filmes que me tocam, de alguma forma, sejam grandes ou não. Nem sempre o melhor é o que mais carrega sentido para nós. Coisas pequenas... sim, minúsculas, podem carregar todo sentido. Escrevo sobre como vi os filmes, não sobre eles mesmos.
Vi Sete Vidas ao lado da Paula, alguém cuja passagem pela minha vida deixará cicatrizes onde havia feridas, tal qual bálsamo. E ela nunca, de fato, passará, mas nada será como antes. E chorei, copiosamente, para usar uma palavra antiga. Minha separação, recente, tinha me colocado diante de um ser focado no seu próprio prazer, incapaz de fazer qualquer coisa por mim e que tinha me desrespeitado, como homem e como marido. Qualquer gesto de generosidade, de altruísmo me capturava, gravemente.
Filmes falam de coisas grandes, às vezes de forma pequena. Os que falam de coisas pequenas não merecem ser incluídos na categoria cinema. Sete Vidas fala de altruísmo, de forma hollywoodiana. Não é, como filme, lá grande coisa. Piegas, por vezes; grandioso em certas cenas. Filme feito para estimular, como ensina Adorno, sentimentos, não para representar sentimentos. Não é, também, dos piores, com certeza. Só não é grande, como Gran Torino.
Entregar-se a si mesmo, em pedaços, como sugere o nome original de Sete Vidas (Seven Pounds) até o limite da vida, apenas para se redimir, é ato extremo, irreal, nobreza a moda de hollywood. Eu sou piegas; andava piegas e emotivo. Todo sentido estava ali, à frente e ao lado.
Gran Torino é mais recente. Minha pieguice aplacada, emoções representadas, personagem forte (Walt Kowalski), direção segura e bom texto. Um grande filme, muito maior que o premiado Quem quer ser um milionário. Kowalski, um veterano da guerra na Coréia, perde a esposa e inicia um caminho de redenção. Conhece Thao, um coreano radicado nos Estados Unidos que tenta roubar seu Gran Torino 1972. Com ele, vai purgar seus pecados cometidos na guerra, vai criar vínculos afetivos com a família coreana do jovem, por quem nutria apenas desprezo, fundado em preconceito. Mas será com aquelas pessoas que ele vai estabelecer vínculos familiares, como nunca conseguiu ter com seus próprios filhos.
Tudo gira, aparentemente, em torno do Gran Torino, mas filmes falam de coisas grandes. O Gran Torino não se enquadra nesta categoria. O filme trata de redenção. Diferente de Sete Vidas, o personagem central não é reto, decidido desde o princípio a fazer o que vai fazer ao longo de todo filme. Ele muda. Kowalski se entrega como o cordeiro de Deus, confesso, pronto para o sacrifício que trará algum prêmio. Mas ele próprio já foi salvo, já foi perdoado. Doente, em vias de morrer, antecipa sua morte para dar algum sentido a ela.
O Gran Torino é legado, em testamento, ao jovem Thao. Mas o carro é apenas um adereço. Ele carrega algo maior: o amor de uma nação pelos automotores e, cheio de sentido, é o ícone do amor de um velho veterano de guerra por um jovem coreano, que o salvou.

Tão ternamente
A história
Nada mais
É o que você vê
Ou o que você fez
Ou o que soubemos
Permanecendo forte
Lidando com tudo
Na sua pele, só imaginando
Gerando na boca carinhosos suspiros
Suspirando pelo meu Gran Torino
Apitando pelo pneu uma canção
Motor ligado e melhores sonhos crescem
Eu trancado dentro do Gran Torino
Ele bate um ritmo solitário a noite toda
Ele bate um ritmo solitário a noite toda

19 de ago. de 2009

Dói porque estou vivo

Para ti

Às vezes a dor é lancinante. Minhas rugas se aprofundam. Minhas cãs proliferam. Meu corpo treme, como se tivesse sido cortado fundo. Mas não há corte. Meus olhos latejam, ardem, molham meus gritos. Brotam a mais pura e mais amarga substância, feita só de sofrimento. Então desejo morrer. Ninguém tem piedade. Continuo vivo.
Dura pouco este sentimento. Recobro a consciência e prefiro viver assim, doendo, a não viver. Lembro de Adélia Prado, que queria ficar com a cara mais enrugada que maracujá de gaveta, de tanto sofrer, de tanto amar. Dói porque estou vivo. Agradeço ao universo.
Não importa o quanto me firam. Quando cansar destas dores, estarei morrendo. Então, não blasfemo mais contra a vida. Meu coração é um mundo. Eu invento os monstros que podem assombrá-lo. Do mesmo jeito como os crio e a eles me afeiçôo, posso matá-los. Mas ninguém chegou perto do meu lado que sangra sem minha permissão.
Então, segue em paz, sádica. Você só existe para me lembrar que sofrer é parte da vida. Você só existe porque eu quis.

Ps.: Escrito há muito, muito tempo para alguém cujo nome deixei de mencionar até que esqueci.

16 de ago. de 2009

As mãos do artesão ou A arte de vencer a morte

Vou a ti, vestido de branco. Pureza é o que posso te levar. Meu coração sofre, puro, a mais sincera saudade de ti.
Vou a ti, lembrando das tuas mãos fortes, da cabeça sem fios, do sorriso raro, que ocupam toda a minha memória.
Vou a ti, ver-te pela última vez, depois de ter acreditado que teria tempo, de ter desistido de me preparar para tua morte.
Vou a ti, retrato de mim mesmo, agora que sou a segunda geração, pois tua partida lembra a minha, pois morro um pouco contigo.
Minha alma carrega as marcas dos teus dedos fortes, das tuas mãos gigantes, do teu coração amável. Tua história nunca me abandorá, nunca deixarei de esquecer que sou parte de ti, que sou a história que escrevestes, que sou seu filho em dobro, seu primeiro neto.
Vou a ti, como quem procura um anjo, um norte, um sentido para existir. Tu estás lá, exemplo de vida. Aceito, mas nego tua morte, pois vives comigo, em mim, no que sou. Sou eterno perante ti; em mim, tu se eterniza também.

Ele morreu perante mim, mas eu nunca vou morrer perante ele. Eu sou eterno para meu vô, cujas marcas em minha personalidade são indeléveis como as ranhuras das mãos do artesão no barro que ele transforma em arte. Assim, ele vence a morte de dois jeitos em mim: pelo que carrego dele eternamente e porque ele nunca terá que ver minha morte. Assim, eu o prolongo, eu o eternizo.

PS.: Meu vô morreu em 17 de abril de 2009, menos de uma semana depois da última vez que eu o vi vivo. Ele melhorou na quarta e pediu a camisa que dei para ele, para sair do hospital. Reclamou que tinha uma boa camisa, mas não um bom sapato. Disse que eu dei um "presentão" para ele (a camisa e o pijama). Nunca usou nenhum. Na quinta ele piorou. Sexta viu o único filho de quem não tinha se despedido. Menos de uma hora depois, morreu.

13 de abr. de 2009

Poesia marxista

O sol invade. É dia de trabalho. Meu vô compra dobradiças e gasta R$20, muito para quem ganha salário mínimo da Previdência. Mas a pequena bisneta, a mais jovem da prole, merece um guarda-roupas novo.
Os braços doem; as pernas sucumbem. Meu vô não tem forças. Então desiste.
- Tanta madeira boa, e não posso trabalhar, diz.
As ferramentas são os instrumentos de existir no mundo. Não consegue mais manipulá-las. Então se desfaz delas, a preço vil.
Meu vô enterrou três filhos e duas esposas. Seu choro, que não vi, sempre foi contido. Suportou tudo, trabalhou uma vida inteira, regido pelo sol. Meu vô superou cada obstáculo, mas é insuportável não poder trabalhar.
Há um nome que o identifica: Laércio. Eu o reconheço como tal; ele se reconhece no trabalho. Não pode viver sem ele.
Seo Laércio foi internado há uma semana. Alucinava e foi amarrado na cama de um hospital, não distinguia os filhos e netos e chamava os médicos de assassinos. Mas ele não é isso. É, sim, as coisas que fez no mundo e que carregam seu nome: casas, objetos, cadeiras, guarda-roupas, cabos de enxada, uma família e eu mesmo, seu neto. Sou resultado concreto do trabalho do meu vô. Desta forma, eu o humanizo, objetivamente no mundo.
Meu vô nunca leu Marx. Mesmo assim, não gosta dele. Apesar disso, é pura poesia marxista. Pode se despojar de tudo, menos de si mesmo, menos de ser trabalho não alienado, de poder se realizar como homem pela força das próprias mãos. Não poder transformar seu meio o brutaliza.
Olho em volta e vejo as marcas das mãos fortes do meu vô em tudo. Indeléveis, os sinais impedem que as coisas que ele fez sejam fetichizadas. Em mim, que continuo sua obra, os sinais começam fora e se estendem até minha alma, triste neste momento porque há um pedaço de mim que sofre num leito de hospital.
Ele me vê e os olhos enchem de lágrimas. Já está bem melhor. Me cobra uma camisa que não lembro ter prometido. Não importa. Ontem, fui vê-lo mais uma vez, com um pijama novo e uma camisa bonita, listrada, moderna, que ele próprio jamais compraria.
- É para o senhor usar quando sair do hospital, vô.

3 de abr. de 2009

As regras da atração

Por que vi nela uma musa? Não sei. Não compreendo as regras da atração. Um dia, alguém vai escrever um livro de auto-ajuda sobre elas. Mentirá. Ninguém compreende o que faz um corpo tremer diante de outro.
Há indícios. Beleza, simpatia, charme, inteligência, posição social, cobiça coletiva, sensualidade, dinheiro, poder. Mas tudo isso não explica porque duas mulheres igualmente belas, igualmente inteligentes, iguais em tudo, ou quase, me atraem de formas tão diferentes. Por uma, meu corpo suplica. A outra é apenas um troféu. Não o quero. Uma me olha e me leva ao paraíso, satisfeito por pagar no inferno por meus pensamentos. Da outra, nem vejo o olhar.
Não entendo as leis da atração, apenas as respeito, ainda que limitem minhas escolhas e as tornem, por vezes, incompreensíveis. O desejo é rei, caprichoso, cheio de decisões estranhas. Não vasculho seus pensamentos insondáveis. Apenas me curvo à sua força, à sua sedução. Posso até me negar a seguir seus caminhos, mas não posso seguir os caminhos que ele nunca me indicou. Este rei oblitera meus passos. E, sem ver, tento me guiar segundo minha própria consciência. Tateio a razão; tu ofereces cheiros, sensações, sons e imagens. Sou um pobre cego, meu senhor!
Não rezo sem ti, mas temo-te e, por isso, por vezes não digo amém. Provei seu paraíso, mesmo sem entender suas leis. Mas, mesmo fiel a ti, temo me curvar a todos os seus caprichos. Pois que és irmão do desespero, como sempre soube, até quando não pude evitar. A cor da vida brilha nos teus olhos, mas acautelo-me. Nunca sei, de fato, quando vais me entregar a teu fratelo.

22 de mar. de 2009

Nada passa

Vão te dizer que tudo passa, que tempo e distância curam tudo, que matam o bom e o mau, como quimioterapia, e os deixam no passado imemorial. É mentira. Nada passa.
Mesmo aquilo de que não lembramos não cessa de nos definir, como trauma, aprendizado ou um tipo de atavismo tardio. As lembranças menos insidiosas nos habitam diante dos nossos olhos. Assim, sabemos o que fazer com elas, mesmo que muitas vezes saber o que fazer esteja muito longe de fazer.
Tudo se acumula. O passado pode deixar de nos ferir, mas sempre estará ali. Podemos não viver no passado, mas o passado nunca deixará de viver em nós.
Então esqueça as soluções fáceis, feche os ouvidos para os conselhos gentis e fantasiosos. A vida cobra muito mais caro.
Vão dizer que você pode exorcizar seus fantasmas, mas você não pode. Acostuma-te a eles e aprende como não assombrar mais a sua vida. Eles estarão sempre ali, para te assustar. Talvez um dia não te assustem mais, mas não espere que eles partam. Eles nunca partirão.

19 de mar. de 2009

Dama de ouros

Você é uma dama. Aquela que a cartomante virou na mesa e disse:
- Há uma loira em sua vida.
Óbvio que eu não acreditei, cético.
Umas se ganha; outras se perde. A cartomante estava certa. Só não contou que a dama de ouros ia estar tão longe do valete de paus.
- Você acredita em destino?
- ...
- Nem eu. Mas acredito em vontade.

Obs.: Esta foi a primeira carta que escrevi para uma mulher, numa seqüência planejada de 14. É de outubro de 1991. O debut de um sedutor de papel.

3 de mar. de 2009

Sedutor de papel

Viver e morrer por escrito será possível? Senti o cheiro da tinta cedo, menino sem ter o que fazer, me apeguei a ler livros, histórias fantasiosas, como Xisto ou contos de Edgar Alan Poe. Nunca li Edmond Rostand, mas banquei a Roxane e me apaixonei por Cyrano, o narigudo, sem conhecê-lo muito bem.
Desde então, desde muito cedo, me perguntei se era possível conquistar alguém por cartas, por palavras, por belezas que se dizem e se sentem. Me perguntei se era possível viver por escrito. E então me quis fazer de Cyrano, tal era minha paixão, que nele me anulei.
Para que servem cartas afinal, se toda dor de poeta é fingimento, seja dor ou não? Para que servem tantas letras, se escondo meu nariz e minhas feiúras na beleza das palavras? Se confesso meu crime apenas para realizá-lo novamente?
Vivi por escrito, sedutor de papel, de amores literários, mulheres que inventei, apaixonado, a partir de mulheres que existiam fora do meu mundo de papel. Foram minhas correspondentes. Invariavelmente, elas corresponderam pela metade. Se eu tivesse me entregado menos e não acreditado nas minhas mentiras, como elas acreditaram, teria dado certo, talvez. Mas caí em auto-engano.
Por fim, então, conheci Goethe, outro ser de papel, um sedutor profissional, sem necessidade de CEPs ou endereços. E Werther foi meu mestre. Eu, seu inepto aprendiz.
Escrevo epístolas. Todo amor que vivi foi de papel, toda sedução foi ensaio, até que, no mundo real, parei de escrever cartas de lascivo sentimento. Parei de profanar juras de amor e promessas de vingança.
Este é o último refúgio de sedução que ainda alimento, até que esgote o que fui, até que todas as cartas que não mereçam ser queimadas conheçam meu novo universo. Este, onde elas, alienígenas, existam sem papel, retratos do ocaso de um sedutor.

25 de fev. de 2009

Perdoar é um ato moral

Perdoar não é esquecer. Perdoar, ao contrário do que dizem, não é um benefício para si mesmo, para não carregar mágoas, como se fosse necessário perdoar para não odiar. Perdoar é um ato moral, é o resultado de um julgamento. Por isso, perdoamos atos que nunca vamos esquecer e nunca vão deixar de nos magoar. Perdoamos quem se arrepende, quem mostra que não repetirá o erro, quem julgamos merecer nosso perdão. Esquecer e não sofrer mais é outra coisa.
Perdoar é um passo para esquecer; e esquecer é um passo para perdoar, mas não são a mesma coisa. Muitas vezes, pelo contrário, o ser que não se arrepende se mostra pequeno e digno de nosso esquecimento. Estão, esquecemos. E seguimos leves, sem perdoar.
Aconteceu comigo, sim, de carregar uma mágoa que perdoei, mas nunca esqueci. Ela tinha se arrependido e parecia que nunca mais faria a mesma coisa. Perdão dado, nunca mais toquei no assunto nem o comentei com ninguém, mas o fantasma sempre esteve lá. Quando voltou, me feriu na mesma ferida. Ela não se arrependeu mais. Não tem importância agora. Ela merece meu desprezo, ainda que seja difícil esquecer a mágoa. E preciso muito esquecer.
Mas perdoar não preciso. Nem quero.

18 de fev. de 2009

Amor perfeito

Quero tuas imperfeições, amor, por que amar suas virtudes é fácil. Amar-te à distância, sem nunca te ver, manteria meu amor eterno, Romeu sem nunca conhecer Julieta. Morto, antes da paixão apagar suas brumas.
Não viver o amor é a melhor forma de nunca maculá-lo com as imperfeições de cada um de nós. O platonismo é a forma mais febril de amor. A mais intensa é aquela que ama o que conhece, o ser que está perto, o humano cheio de defeitos e virtudes, pesado na balança, amado apesar dos defeitos. Ou amado com seus defeitos.
Meus amores mais perfeitos nunca se concretizaram. Imaturo, achava-os a forma mais elevada. Hoje, vejo que amar exige, a cada dia, ver no cotidiano toda beleza que o amor pode ter quando a paixão febril apagou sua chama.
Este amor de febre que não vê nem conhece o que ama projeta imagens de nós mesmos sobre outros. Parece amor, mas não. É apenas uma forma de amar sem sair de nós mesmos. É uma forma de egoísmo. E só.

11 de fev. de 2009

Carta ao Senhor Tempo

Por favor, Sr. Tempo, me esqueça. Tem dias que não merecem suas leis, que deveriam alongar-se, infindos. Dias em que a pele sente a temperatura do ar, queimada pelo sol ou fria como a chuva. Dias em que te esqueço, ainda que sempre lembres de mim.
O sorriso das crianças que amo nunca deveria cessar. O abraço da minha mãe não se esgotaria se não fosse tu. As noites respeitam seus números, mas algumas, febris, deveriam resistir, se rebelar. A felicidade tem duração. De onde tirastes esta idéia ridícula?
A vida pulsa. Porém, tu segues, inexorável. Não pensas que nem todo instante é igual, que há horas que nem mereciam existir; outras não deveriam acabar.
Todo tempo é pouco para conhecer o mundo e todos os seus habitantes. Todos os minutos não bastam para correr todas as estradas. Então pare, Sr. Tempo, e me deixe viajar. Não me cobre pressa quando estiver com os meus amigos, não acelere só porque o vinho já me deixou leve, não me force a parar de dançar porque o baile acabou. Não pareça acelerar bem quando quero que esperes.
Sr. Tempo, tome um sorvete num dia de sol. Sem pressa, deixe que o frio derreta. Então responda: tu mesmo não mereces um descanso?
Deixe a água jorrar na sua cabeça, massagear seu ombro, carinhar seus pés. A água corre. Não basta?
Deixe o vento arrastar-te por estradas, pare por acaso num lugar que você nunca havia visto e nem tinha planejado parar e sinta o cheiro da vida que ali habita. Saberias tu viver sem planos de vez em quando?
Tu és perpétuo. Então pare os relógios, porque tu, como ninguém, tem motivos de sobra para não se importar com o tempo. Te temo, mas discordo das tuas leis, carrasco de ti mesmo que és. Ser egoísta, tu sabes o que é a eternidade, mas não daria um único fragmento a ninguém, ainda que não faça nada com ela.
Eu sou finito, mas sinto, como nunca saberás, que a vida é cheia de visão, som e fúria. Viver é bom para quem tenta te esquecer, ainda que tu nunca nos esqueça.

18 de jan. de 2009

Ela contempla as estrelas

Ela contempla as estrelas e pensa em mim, distante. Lembra das horas, lembra dos cheiros, das frases soltas e dos longos diálogos. O brilho no céu a ilumina e, então, entre nebulosas, ela rumina lembranças doces.
Ela contempla as estrelas e pensa nas minúsculas coisas grandes da vida, nos pequenos detalhes, nos lances fortuitos cheios de sentido. Ela invade catedrais de imagens que ela viu e se excita, perdida no céu. Lume, descreve uma trilha de luz na escuridão. E eu a vejo.
Me imagino ao lado dela. Ela, poeta das estrelas, pensa no sublime da vida. Então, eu a cobiço. Beijo seu pescoço, sussurro frases no seu ouvido, roço sua coxa. Cheio de vontades, eu a atrapalho.
Mas ela confunde tudo, céu e terra. Vê fogo sublime na minha volúpia e faz poesia da minha cupidez. Ela contempla as estrelas enquanto eu atrapalho, mas ela compõe tudo no mesmo quadro e me mistura com as estrelas do céu.

3 de jan. de 2009

A estrada do excesso

Amo Willian Blake, profeta de uma geração que se perdeu nas drogas, no álcool, na arte, no sexo e no excesso. Amo aforismos como ¨A estrada do excesso leva ao palácio da sabedoria¨, de Provérbios do Inferno.
Sempre soube o preço. Sabedoria custa caro. Ginzberg, em Uivo, narra a tragédia de uma geração genial destruída pelas drogas. Elvis Presley teve uma overdose. James Dean continuou jovem, até o fim. Nunca ficou velho. Jim, Janis e Jimi enfrentaram o mundo. Morreram de excesso. No Brasil, Cazuza, Renato Russo, Arnaldo Batista são exemplos da filosofia do ¨viver 10 anos a mil, a viver mil anos a 10¨.
Mas havia algo mais que acabar consigo mesmo. As gerações dos anos 50, 60 e 70 que se acabaram no excesso buscavam sabedoria, queriam mudar o mundo, abrir as portas da percepção. Ou, no mínimo, projetar uma forma diferente de viver. O excesso era o caminho da contestação e da sapiência. Alguns, como Brian Eno e John Lennon, tentaram o caminho do meio da filosofia oriental. As estradas do conhecimento são várias. O excesso é, sem dúvida, o mais doloroso de todos. Por isso, o mais rápido. Alguns pisaram no inferno e voltaram, como Clapton.
Vivemos num mundo onde o excesso é puro hedonismo, busca do próprio prazer, o tempo todo, como apontou sabiamente Zigmut Bauman. Viver o tempo todo em catarses de orgamos é suprema vida. Eu a quero. Nenhuma sabedoria. A indústria das drogas e do sexo ganham fortunas. Nada mais contesta nada. A estrada do excesso já não leva a palácio algum, exceto para os que vivem ainda nos tempos idos da contracultura.
Cada tempo tem sua lógica. Não me ofereçam cocaína. As drogas já não contestam nada. E não há situação mais triste que ser escravo do próprio prazer. Nada mais triste que ser um viciado em qualquer coisa.