10 de jul. de 2006

Nós, os melhores do mundo, derrotados

Cafu desembarca no aeroporto de São Paulo. Um repórter de TV pergunta-lhe qual lição o lateral tirou desta Copa. Cafu, de pronto, diz que aprendeu que “nem sempre o melhor vence”. Após a derrota para a França, não achei ser vivente que defendesse que o Brasil jogou melhor, que o acaso nos prejudicou ou qualquer outra justificativa. A França venceu com méritos, jogando melhor, o que só aumentou nossa fúria.
Mas Cafu não se refere àquele jogo. Pode ter posição divergente da média das pessoas sobre o desempenho da seleção contra a França, mas sua crença na superioridade dos brasileiros tem raízes mais sólidas, tem raízes históricas. O Brasil ganhou 5 copas, teve Pelé, o maior de todos os tempos (pelo menos no Brasil), teve Garrincha, tem o melhor do mundo (Ronaldinho Gaúcho), outro que foi melhor do mundo duas vezes (Ronaldo), o melhor do campeonato francês (Juninho), o jovem mais promissor (Robinho). As outras seleções têm bons jogadores. Nós temos 11 craques no time titular e mais uns tantos no banco de reservas.
A seleção tropeçou na própria empáfia, que começou antes, bem antes, quando Parreira dizia que eram todos contra o Brasil. A arrogância não foi embora nem depois das evidências de perder jogando pior, de ter feito uma Copa medíocre.
A resistência tem solo firme por que a crença na qualidade superior atávica da seleção não tem origem e nem se extinguem com Cafu e Parreira. Ela está em nós, que julgamos viver no país do futebol, celeiro de craques insuperáveis, único lugar onde Pelé poderia nascer.
É verdade que somos pródigos em produzir bons jogadores. O mercado europeu invadido por brasileiros é prova pragmática disto. Mas o menosprezo pelos demais é ridículo. Os comentários de Galvão Bueno sobre os jogadores de outros países revelam duas coisas: desconhecimento e prepotência. Ele disse, de Ribery, revelação francesa, que era um jogador ruim, mas que corria muito. Ribery tem 23 anos e foi um dos poucos jovens que tirou posição no time titular de um jogador experiente na seleção de Domenech. Menos, Galvão!
O sentimento está por aí, debaixo da nossa pele. Nós somos os melhores do mundo e, por isso, não admitimos a derrota. Pior ainda quando perdemos sem refutação. Este sentimento, esta arrogância de um país trágico numa das poucas áreas onde se sobressai talvez seja nossa forma de termos orgulho da brasilidade. É nos momentos esportivos que nos irmanamos como nação. É nestas horas que, apesar de tamanha diferença social e econômica, de tantos brasis, de tantas culturas, de tantas formas de ser brasileiro, nos vemos como um povo só, iguais. Irmãos. Todos filhos da mesma mãe gentil. E, todos nós, eu, você, Parreira, Cafu, arrogantes.
Este sentimento é canalizado a cada quatro anos por quem faz da copa um negócio. Nitidamente, no Brasil, a Globo e os anunciantes, como Nike e o guaraná Antarctica. Os anunciantes ainda estão num papel legítimo, se consideramos a publicidade uma prática legítima (não é, necessariamente, minha posição). Já a Globo faz o de sempre, desde a ditadura. Eugênio Bucci, em Brasil em tempo de TV¸ afirma isso com todas as letras. A TV fez dos momentos esportivos grandes festas do sentimento de ser brasileiro, por que estamos unidos, via TV, torcendo pelo mesmo time. Somos todos brasileiros, mesmo que minha camisa dry fit não tenha nada a ver com a roupinha de algodão amarela puída que meu irmão de nação veste. Sou um burguês do povo.
Galvão nunca sairá de onde está. Deveria narrar, mas torce. A Globo deveria cobrir a Copa, mas a promove. Quando os limites entre jornalismo e publicidade se diluem, o resultado é este: arrogância canalizada, promovida e estimulada. Cafu e Parreira apenas dão voz às crenças que plantaram em nós e que foram tão bem exploradas pela TV. Por isso, nada soa tão cínico quanto as matérias da Globo criticando a arrogância da seleção, como um dos sete pecados capitais ou um dos setes erros. É um lava a mão. A vitória é nossa; a derrota é deles, diz a Globo, nas entrelinhas.
A tudo isso, chamam de jornalismo. Nada é. Por que jornalismo não é aquilo que se prática à semelhança do que é jornalismo de verdade. Não é só a casca, mas as condições fundamentais nas quais ele se realiza. Jornalismo supõe independência. Quando o repórter trabalha pelo interesse comercial do seu patrão já deixa a seara do jornalismo. Entra naquilo que chamo forma-jornalismo (algo que tem formato de jornalismo, mas não é).
Triste país este que tem que aceitar, agora, depois de tudo, que tem uma seleção ruim feita de excelentes jogadores. E que tem um jornalismo indigno deste nome, feito (tirando as exceções, como Galvão Bueno) por excelentes jornalistas.

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