10 de mai. de 2006

Potinho de felicidade

Há um poema que atribuem a Borges que diz:

Se eu pudesse viver novamente a minha vida,
trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito,
seria mais relaxado.
Seria mais bobo do que fui;
na verdade encararia muito poucas coisas com seriedade. (Instantes)

É sábio, seja de Borges ou não (talvez, para ele próprio, esta não fosse uma questão relevante). Mas viver assim, levando a vida menos a sério, nem Borges conseguiu. Meus problemas de hoje me espantam, me assustam, me amedrontam. Amanhã, rirei deles, como rio das minhas preocupações de criança. Nenhum problema é pequeno demais se quem tem que enfrentá-lo o teme. Por isso, não menosprezo as dificuldades de ninguém. Cada um tem as suas dores; cada um tem seus problemas gigantescos.
Nada causa mais problemas irreais que os relacionamentos amorosos. Qualquer coisa, se vem do ser amado, é imensa. Qualquer sinal é uma tempestade. Nunca erramos tanto quanto quando estamos enamorados. E nada causa mais alegria ou tristeza.
Viver como na poesia permitiria sorrir mais, levar os amores menos a sério. Mas quem está no meio da vida não tem idéia de como vai rir de tudo aos 85 anos, idade de Borges, quando escreveu Instantes, se é que o escreveu.
O amor traz desgraças de fim de mundo e, nestas horas, é bom achar algo para te fazer rir. Pessoas, se possível. Há, sim, seres humanos que são tão especiais que fazem o poema parecer mais real, mais possível. Cada um tem os seus escolhidos, seres que são como potinhos de felicidade. Do lado destes seres, o mundo parece mesmo mais leve.
O amor não é mau. Por vezes, ele nos pega e passamos a amar quem até pouco tempo nem sabíamos existir. E quando este ser vai embora, sua ausência, que nunca antes tínhamos sentido, passa a ser pesada, dura. Barthes chama isso de presença de uma ausência. Não conheço definição melhor. Nestas horas, é preciso diminuir os problemas, achar quem nos faça sorrir. Rir de nós mesmos, dar menos valor às angústias e tentar respirar. Ler Borges, como um mantra.
Tem dias que chove. Chove muito, uma chuva linda e triste. Nos dias de chuva, às vezes surge um arco-íris. Nunca acreditei no pote de ouro no fim do arco-íris. Mas foi nos piores dias de chuva que encontrei um potinho de felicidade.

Um comentário:

  1. Anônimo16:12

    Há um limite para as paixões humanas quando elas provêm dos sentimentos, mas não há limite para aquelas que sofrem a influência da imaginação.
    As vezes não abandonamos sentimentos pura e simplesmente por apego, ou por aquilo que eles significam pra nós e não pelo que são na verdade. Jorge Luis Borges simplificou as coisas no seu poema, enquanto nós seguimos complicando. Abraços!

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