22 de mai. de 2006

Mau jornalismo no horário nobre

Imagino que a audiência nem perceba. Mas o jornal nacional é capaz de verdadeiras aulas de mau jornalismo, falhando no mais básico da profissão: a checagem das informações. No processo de transição da prefeitura de São Paulo, no começo de 2005, a ex-prefeita, Marta Suplicy, do PT, deixou de pagar, no final de dezembro, uma parcela de cerca de R$100 milhões da dívida da cidade com a União. José Serra, do PSDB, reclamou. A assessoria de Marta confirmou o não pagamento, mas alegou que faltou dinheiro por que o governo de São Paulo, do governador do PSDB Geraldo Alckmin, havia depositado uma verba que cabia à prefeitura em juízo. Isso significa que o dinheiro estaria indisponível até que a pendência jurídica que envolvia os recursos fosse sanada.
O Jornal Nacional contou tudo isso. Aparentemente, um primor de jornalismo. Eis o equívoco. A primeira coisa a fazer diante da alegação de Marta era verificar se havia o tal depósito de fato e se, com ele, a prefeitura teria perdido a capacidade de pagamento. Se houvesse o depósito, é necessário saber o porquê. Eventualmente, o Governo do Estado podia estar jogando com isso para desgastar Marta. Ou não. A audiência não ficou sabendo disso. A notícia se reduziu a “fulano disse X, mas Beltrano explicou X por Y”. Cabia ao jornalista chagar a informação e fazer a matéria completa.
Os jornalistas da Globo estão longe de ser amadores. Muitas vezes, estas gafes são por hábito. Mau-hábito, diga-se. A preguiça profissional é providencial. Fazer jornalismo de verdade dá trabalho. Deixá-lo assim é mais fácil e mais espetaculoso. Fazer mau jornalismo é um hábito da TV. Ela precisa converter a política neste jogo de disse que disse, neste emaranhado onde não se sabe a verdade. A TV busca sempre, na declaração dos políticos, aquilo que converta política num ringue. Se o público percebe a política assim, a TV tem parte de culpa.
A notícia é mais saborosa quando a polêmica é intensa. Os pequenos lapsos jornalísticos também permitem construir uma imagem que tem pouca relação com os acontecimentos. Isso é muito conveniente quando o jornal é um instrumento de poder. Jornalismo bem feito é algo que a Globo faz de vez em quando, para dizer que sabe, para afirmar que o resto tem o mesmo apuro. Saber, sabe mesmo. A questão é se quer.

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