4 de mai. de 2007

Você não tem um Nike Shox

Frases que as crianças dizem: “eu tenho, você não tem”. Crianças são fofas, lindas, ingênuas... e cruéis. Imaturas, adoram afirmar sua posição financeira e social perante outras crianças. Ah, crianças...
Buscar distinção e identificação é próprio do ser humano. Cada um sustenta e se orgulha dos seus gostos, mesmo com referências culturais estranhas, que identificam com um grupo, mas distinguem de outro. Ou, na moda, de roupas diferentes, iguais as dos meus pares e diferentes das roupas dos outros, daqueles com quem não quero parecer.
Agora a distinção ganhou outros contornos, fascistas como convém. O apartheid é estético e econômico. Não se trata mais das diferenças apenas, de pessoas que buscam lugar no mundo, mas da distinção entre quem tem e quem não tem. Um Nike Shox custar U$120 nos Estados Unidos pode fazer algum sentido; custar R$500,00 no Brasil é uma tragédia, um atentado contra a imagem de um país que se julga fraterno e acolhedor.
A distinção agora separa quem pode pagar dos que não podem, os cidadãos de bem dos outros, dos fracassados. Um Nike Shox no pé diz, subliminarmente: “Você não tem um Nike Shox; eu tenho”. E a imaturidade infantil foi explorada e convertida em princípio justo.
Os advogados da coisa vão argumentar que o tênis é superior e que sua qualidade é o que determina o preço. Besteira. Poderia custar menos da metade, com a mesma qualidade. É a lógica Vítor Hugo invadindo outras searas. Uma VH diz quem você é. Quem compra sabe. Quem vê admira, inveja ou sente ódio. Poucos conseguem passar infensos ao valores propagados pela Indústria Cultural. O Nike Shox, as camisetas Diesel, as calças Capoani separam, economicamente, a sociedade, realizam, democraticamente, um apartheid, definem os arianos.
As criancinhas que não tinham cresceram. Querem o Nike Shox. Algumas roubam; outras falsificam; algumas trabalham e pagam, com sacrifícios, para parecer o que elas não são. O Nike Shox e seus assemelhados respondem pelo ódio de classe de nosso tempo. Numa sociedade fraterna, a idéia de pagar tanto por um tênis deveria ser um anátema.

2 comentários:

  1. Essa "net" é realmente surpreendente. Saudade de você, caríssimo orientador... ;)

    Eu nem conhecia o tal de Nike Shox mas tenho certeza de que deve ser um desses símbolos perfeitos da "sociedade do consumo". Ler teu texto me lembra os "contatos" que tive com o Bourdieu, por aqui. Difícil de ler a criatura, mas abre a cabeça.

    Vai para a Compós? Adoraria te ver por lá. Beijo.

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  2. Anônimo15:24

    Adorei este texto!

    Beijo.

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Obrigado pelas palavras.