25 de abr. de 2006

Pobre menina má

Suzane Richtofen é má. No dia 31 de outubro de 2002, dia das bruxas, colocou em execução um plano maquiavélico: abriu a porta de casa para que dois jovens, os irmãos Cravinhos, assassinassem seus pais. Suzane tem que pagar, tem que ser julgada e condenada, como aconteceria a qualquer cidadão.
Mas Suzane é uma pobre menina também. Uma pobre menina má. Seu crime ficou famoso não só pela crueldade, mas também por que a violência escadaliza seletivamente. Pelos olhos da imprensa, a violência na periferia tem que ser cruenta para escandalizar. Assassinatos vulgares, mesmo duplos, não chamam a atenção quando o assassinado é pobre, mesmo se vítima de plano ardiloso.
Suzane pensou que ia escapar livre, simular um roubo e tudo iria se resolver. Estava enganada. Vai ter que enfrentar a Justiça com todas as suas virtudes e seus defeitos. Mas, com certeza, Suzane nunca imaginou ter que enfrentar os meios de comunicação. A menina má se tornou uma pobre diaba do show midiático.
Sua condição de classe média logo lhe impôs a mídia como componente central do desenrolar do seu caso. O clamor por justiça da opinião publicada foi voraz, desde o princípio. Nesta hora, seria melhor ser pobre, por que a opinião publicada não liga muito para aqueles que ela julga representar.
O escândalo explorado pelo Fantástico ao gravar uma conversa privada do advogado com Suzane é só um capítulo a mais do show. Suzane quis ser a mestre do picadeiro. Acabou virando aquele palhaço que sempre apanha para o público rir. Foi vítima de um traço da mídia que Lazarsfeld, nos anos 60, já apontava: a tendência moralizadora da exposição midiática dos desvios e delitos sociais. Por vezes, porém, a grita ganha contornos de falso moralismo. É bem esse o caso.
Neste momento, a ação midiática por punição exemplar, a revolta contra a liberdade de Suzane e a indignação contra a falsa emoção da moça são apenas respingos de uma prática fascista: a condenação sumária, a extinção do Estado de Direito. Acontece sempre. A mídia age como quem conduz a massa louca por um linchamento, neste caso, linchamento midiático. Interfere, com seu tempo acelerado, em outro campo, onde o tempo da mídia produziria injustiça.
Os arautos da opinião publicada poderiam se rebelar contra a morosidade dos tribunais, mas não contra a preservação do direito básico de só ser preso quando condenado ou por prevenção. Querem Suzane morta na cadeia, pela felicidade do povo. A OAB abre processo contra o advogado, como se o caso fosse de direito, mas não é. É de comunicação, coisa que a OAB não pode julgar. O advogado pode ter ferido o código de ética dos RP, dos jornalistas, do Conar, qualquer um destes, mas não o código do direito, por que não instruiu Suzane na condição de advogado. Advogados não são assessores de mídia.
São cenas de uma ação violenta e arbitrária. No curto prazo, parecem produzir justiça. No longo, ensinam que a vingança rápida é mais eficiente. Façamos então justiça já. Correndo, aliás, por que o show não pára. Pouco importa Suzane e seu crime. A mídia vai esquecê-la logo que o público pare de rir do palhaço que apanha de todo mundo.
Pobre palhacinho mau.

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