27 de set. de 2006

O poder mais corrupto

Mudei meu voto quatro vezes, nos últimos 18 meses. No auge da crise, desisti de votar em Lula e quis que a esquerda constituísse um outro partido, que tivesse visão estratégica, que não cometesse os mesmos erros que o PT cometeu ao longo da sua história. Não queria a esquerda que racha a esquerda e leva água para a direita, como aconteceu na eleição que levou Chirrac para o segundo turno contra o ultradireitista Le Pen, na França, e como fazem PSOL e PSTU por aqui. Engraçado como o papel de extrema-esquerda no mundo é ser linha auxiliar da direita.
Quando acreditei que os rumos do país e das esquerdas passava pela reeleição de Lula, desisti de sonhar, por ora, com uma alternativa à esquerda. Mas a ação do governo federal na área de Comunicação me colocou, mais uma vez, fora das estatísticas da reeleição do presidente. O PT já havia enterrado o projeto do Conselho Federal de Jornalismo. Então, o governo tomou a decisão que interessa à ABERT - Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, que defende, sobretudo, os interesses da Globo, de escolher o padrão japonês para a TV Digital e recusar discutir as potencialidades democratizadoras da nova tecnologia. TV Digital, na propaganda pela reeleição, é uma questão meramente industrial, interatividade para o consumo, potencial de geração de emprego e renda e de desenvolvimento tecnológico, na área de semicondutores.
Por fim, Lula vetou, na íntegra, o projeto que atualizava as funções profissionais do jornalistas.
Foi a gota d'água. Nem tanto pelas decisões em si, mas pela forma como foram construídas, forçadas pelo meios, com base em mentiras e distorções. Outro dia, Tostão escreveu que se o projeto de atualização das funções dos jornalistas fosse sancionado teria que parar de escrever sua coluna. Tostão tem meu respeito, escreve muito bem, mas está mal informado, por que leu isso nos jornais. Para defender seus interesses, os jornais mentem o quanto for necessário.
Estes mesmos jornais têm massacrado Lula, que, ao longo do mandato, não conquistou os donos dos veículos e perdeu o apoio dos jornalistas. A imprensa é crítica o máximo que pode com Lula. E é descompensada. Cobre o que prejudica; silencia sobre o que ajuda o governo. Detona a compra do dossiê Vedoin e silencia sobre o conteúdo do dossiê.
A questão é simples. O governo Lula, perto do que deveria ser, é uma tragédia. Perto dos governos da direita, é incomparavelmente melhor. Todos os dados mostram isso; o povo percebe; e a direita não se conforma. Devemos querer mais, construir alternativas. A imprensa quer que o PSDB de Alckmin seja a alternativa. Seria um retrocesso imenso.
A imprensa é assim por que é um poder sem regras. Toda vez que alguém ou algum movimento social tenta regrar a imprensa, é acusado, imediatamente, de autoritário. Qualquer regra é tratada como limitação à liberdade. Liberdade para mentir, inclusive. Democracia não é a liberdade irrestrita, mas a liberdade com regras, limitada pela liberdade alheia. Minha liberdade de ser informado é afrontada, todos os dias, por uma imprensa corrupta.
Este é para mim o resultado da crise. O PT não é tão limpo assim. Sei bem que não, pois o conheço de perto. Mas sei bem que os canalhas do PT juntos, somados, não chegam à canalhice de Arthur Virgílio ou Álvaro Dias. O governo errou feio, muitas vezes. Usou o fisiologismo como instrumento da governabilidade. Isso dói para quem acredita na política como o espaço do ser humano autônomo, senhor dos seus juízos, capaz de decidir e interessado nisso. O Congresso é um antro; o Judiciário, um covil. Mas a imprensa é o pior de tudo.
A corrupção no Estado se organizada em torno das verbas controladas pelo executivo, mas não é nele que está o maior problema. No executivo, há, ainda que precária, uma possibilidade de controle pela população. Maluf não ganha mais eleição, por que sua carreira no crime o inviabilizou. Se fosse candidato a deputado federal, seria eleito com votação escandalosa.
O esquema de voto nominal faz com que a rejeição não seja relevante para definir se alguém será deputado ou não. Um corrupto rejeitado por 99% da população, mas votado por 1% está eleito e reeleito quantas vezes quiser. Neste modelo, reside a semente da corrupção por governabilidade, o tal fisiologismo. Reside na impossibilidade da população de recusar os canalhas. Por isso, não é justo afirmar que a população, quando esquece em quem votou, é culpada pelo descalabro no Congresso. Deputado neste país, normalmente, é eleito pelo pobres para defender os interesses de quem o financia. Quer saber a quem serve um deputado? Olhe quem são seus financiadores de campanha.
O Judiciário se corrompe pela mesma razão: é um poder sem fiscalização e, tanto pior, criado pelo executivo, que indica os juízes.
A imprensa, quarto poder constituinte de República e o único privado, no Brasil tem esta peculiaridade: é fiscalizada menos ainda que o parlamento. Tem a imagem de honesta, mas é das suas relações corruptas que surgem os principais crimes. Foi a imprensa que legitimou Collor. Foi a imprensa que silenciou sobra a paridade demagógica do real com o dólar. Foi a imprensa que calou sobre o endividamento do Brasil na gestão FHC. É a imprensa que move a atual campanha contra Lula, não pelos defeitos do seu governo, mas pelas virtudes.
A imprensa é um poder sem fiscalização. Um poder medíocre, por que se corrompe por pouco, mas se corrompe livremente. Poder sem fiscalização, é o mais corrompido da República, seguido pelo Congresso e, depois, pelo Executivo e Judiciário. É também o mais cínico, pois controla o sistema de produção de sentidos e impede qualquer discussão sobre si mesma, qualquer fiscalização, qualquer responsabilização.
As relações de proximidade do governo com a imprensa ou a falta de coragem para resistir me convenceram a não votar em Lula. A baixaria que está sendo operado atualmente, neste final de campanha de primeiro turno, me levaram para o outro lado. Voto Lula. Sei que com nosso presidente operário vem gente como Pedro Henry e Waldemar Costa Neto.
Mas, honestamente, canalha por canalha prefiro Roberto Jeferson a Pedro Bial.

25 de set. de 2006

Chiclete

Ela não existe. Mas se existisse, estaria com 22 anos. Seria fã do RBD, teria o hábito de ligar a TV para ouvir o barulho, a qualquer hora do dia, assistiria ainda a Xuxa de manhã, dançaria copiando os clipes de música pop, de Shakira a Black eye peas e nunca perderia o Vídeo Show.
Se ela existisse, seria geniosa, como os personagens das novelas e falaria da vida no vídeo como se fosse a vida real. Ela seria egoísta, viveria eternamente em busca do seu próprio prazer e se insuflaria contra tudo que se opusesse a isso. Seria viciada em conexão: celular, e-mail, msn, orkut. Ela seria um subproduto da televisão, Peter Pan televisivo, que se recusa a crescer e traz consigo uma inocência que não é pureza, mas imaturidade, por que as crianças são os melhores consumidores, os mais influenciáveis. Apesar da idade, ela seria uma adolescente erotizada e infantilizada pelos meios. Seria educada para o consumo e nunca amadureceria.
Se ela existisse...
Mas ela não existe.

24 de set. de 2006

Adorniana I: o terceiro fracasso

Os frankfurtianos, sobretudo Adorno e Horkheimer, nunca foram de deixar pedra sobre pedra. E nunca tiveram dificuldade para encontra o que demolir. Não cabe entrar em detalhes, mas eles foram contundentes com os três modelos de sociedade que conheceram: o nazismo, o stalisnismo e o capitalismo.
Para eles, as três são projeções da razão iluminista e as três, cada uma a seu modo, são a realização da violência que a razão carrega. Esta violência se manifesta primeiro como domínio do homem sobre a natureza e, depois, como domínio do homem sobre o homem.
O nazismo e o stalinismo, via campos de concetração, e vias gulags, entre outras coisas, já manisfestaram sua faceta autoritária. O capitalismo também, mas se esconde, por ainda não ser história e por que ainda controla a produção de sentidos. Assim, não pode ser avaliado plenamente.
Mas os sinais são claros. A infantilização propagada pelos meios se manifesta nitidamente no orkut, msn e blogs, no sucesso do RBD, nas picaretagens infatilóides como os grupinhos de mulheres cantando em roupas sumárias. A Indústria Cultural envia mensagens simples que até uma criança de 7 anos entende e que fascina adultos que não conseguiram ir muito além dos 7 anos. Manter-se criança é não se civilizar. Não se civilizar é continuar violento.
Parafraseando Adorno: os defensores da coisa podem achar que os ícones da indústria cultural são inofensivos, infantis até. Mas, entre tantos outros malefícios, tratar a mulher como objeto é manter sobre seu corpo a opressão que nele opera por séculos. As moças dançando com pouca roupa são a desumanização da mulher e o convite a uma violência histórica, que a razão não superou. Pelo contrário, inventou meios de explorá-la para fazer dinheiro.
A democracia de massa é o terceiro fracasso da razão.